Por Fernando Lobato_Historiador
As religiões
surgem quase sempre com um propósito: fazer renascer aqueles que vivenciam os ensinamentos
que oferece aos que lhe dão ouvido e valor,
ou seja, dar um sentido mais nobre à vida humana em sociedade. É fato também
que normalmente surgem questionando e negando o status quo dominante, mas, na
medida em que se tornam mais aceitas e assimiladas, vão também se distanciando
das ideias, princípios e valores que as orientaram inicialmente. Eis porque não
devemos vincular ou confundir Deus com essa ou aquela religião, pois estas
existem como instituições ou organizações humanas passíveis de adaptação ou
domesticação muitas vezes nocivas. Deus é o alfa e o ômega ou a verdade
essencial da qual tudo se deriva e ganha sentido enquanto religião é tão
somente a tentativa, bem ou mal intencionada, de se estabelecer uma conexão com
nossa existência primordial. Nem sempre
essa tentativa é bem sucedida, mas, ainda assim, continuam afirmando o
cumprimento do sentido da palavra religião, ou seja, que estariam unindo aquilo
que um dia foi desconectado.
Nicodemos era mestre entre os fariseus do
tempo de Jesus, mas, embora se sentisse profundamente inspirado e tocado pelas
palavras daquele que sua classe considerava subversivo e obsceno, a ponto de
chamá-lo de príncipe dos demônios (Mateus 12:24), mantinha-se fiel à fé e valores que julgava
ter a missão de defender, junto com as honrarias, privilégios e a boa vida que
usufruía como membro da elite sacerdotal corrupta de sua época. Nicodemos era
tão ou mais prisioneiro do establishment quanto o rico que virou as costas
quando Jesus lhe mandou vender todos os bens e distribuir entre os pobres (Mateus
19:21). Naquela ocasião, disse com lamento: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus” (Mateus 19:24). O
Reino dos Céus é tão somente a dimensão onde homens e mulheres são
verdadeiramente livres, ou seja, não estão submetidos a nenhum tipo de opressão
interna (vícios e obsessões) ou externa (a realidade social).
Nascer de novo significa ser capaz de se renovar
continuamente sem perder sua essência original. Significa ter a capacidade de enxergar
valor naquilo que tem valor e não ficar preso ou imobilizado, por comodismo ou
covardia, ao que é externo e superficial. Esse não era o caso de Nicodemos,
como não é o caso de muitos dos que se dizem religiosos na atualidade. Estão
presos demais a ideias e valores distorcidos e adaptados ao longo do tempo que, no fim das contas, não promovem a elevação espiritual e social que
deveriam. Tal como Saul, relutando em
passar o cetro para Davi, ou os fariseus, negando Jesus para não por em que cheque
sua fé, valores e interesses, vemos religiosos pregando coisas celestiais mantendo-se
firmemente apegados a valores e interesses terrenos e mundanos. Renascimento é
ganhar nova vida, é deixar de ter apego por aquilo que se percebe não ter muito
valor. É descobrir a beleza e a grandeza de nossa realidade interior. É crer que
um mundo melhor e mais elevado está plenamente ao nosso alcance. Quando essa
vontade morre dentro de nós é como se Deus também morresse junto. Nessa
situação, ele renasce não em nós, mas num novo ser. Eis porque Jesus dizia que
as crianças são a base do Reino dos Céus (Mateus 19:14), pois estas sonham e
acreditam que tudo é possível. Quando isso morre dentro de nós, Deus se faz vinho
novo em busca de odres novos (Lucas 5:38).