sexta-feira, 30 de março de 2012

A TANGIBILIDADE DE DEUS

Por Fernando Lobato_Historiador
“Penso, logo existo", disse Descartes para afirmar o homem como realidade inegável, posto que ser pensante. Todavia, no seio desses pensantes, persiste o debate sobre a origem do Universo e de tudo que nele há. Para uns, não há um ser inteligente por detrás da sua criação, posto que, para os ateus, conforme disse Feuerbach, Deus  seria a mera projeção dos desejos e necessidades de homens impotentes e desesperados. Para o grupo de teístas em que me incluo, Deus é a realidade essencial que dá forma e sentido às existências dele derivadas, conforme define SPINOZA em sua obra máxima - Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras.
O maior argumento em favor da existência de Deus diz respeito à ordem e harmonia reinante no universo. Neste, nada está fora de lugar e tudo funciona de forma harmônica e relacional, ou seja, de forma sincrônica e em função de outrem. Partículas formam átomos, átomos formam moléculas e moléculas formam a base primordial de toda vida existente: a célula. Do mais simples ao mais complexo, em tudo, há direção e propósito. Na filosofia grega, isso era chamado de logos e era percebido como uma espécie de racionalidade intrínseca à natureza. No Cristianismo, o logos é personificado num ser masculino ao qual se imputa a paternidade de Cristo e toda a humanidade, ou seja, foi mitologizado para facilitar a difusão da doutrina que, pouco a pouco, foi se impondo como dominante.
Com o declínio da visão de mundo medieval, a filosofia foi se libertando da mitologia patrocinada pela Igreja e, aos poucos, foi abrindo caminho para o que depois se afirmou como conhecimento científico. Ressalte-se, porém, que, apesar de terem a dúvida como companheira inseparável, nem a filosofia nem a ciência, exceto em alguns casos particulares, excluiu a possibilidade de uma inteligência superior dirigindo o universo. O filósofo Spinoza, citado acima, defende a existência de Deus fazendo uso de esquemas matemáticos. Em meados do Séc. XX, com o advento da Física Quântica, Deus deixa de ser mero objeto de especulação da religião e da filosofia e passa também à condição de objeto de estudo da Ciência.
Numa de suas frases geniais, Albert Einstein, questionado acerca da existência de Deus, assim responde: “Quero conhecer os pensamentos de Deus....o resto são detalhes”. Para ele, a questão se Deus existia ou não pertencia ao passado. Vital, a partir dali, seria entender como o mesmo pensa e age. Einstein falava isso apesar do seu quase total desprezo pela religião. Sua convicção não tinha nenhuma relação com sua condição de judeu, mas sim com a de físico e matemático. Essa persistência na crença em Deus, quer por religiosos e filósofos quer por cientistas, nos indica que ele transcende todos os campos do conhecimento humano. Todavia, ainda que limitados, todos nos dão pistas e nos ajudam a entender e perceber Deus como realidade tangível.
Em Romanos 1:20, o Apóstolo Paulo diz que as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas”. Com isso, nos diz que o Deus invisível (intangível) se torna visível (tangível) através do que está criado. Dentro da criação, nenhum ser manifesta mais a natureza de Deus do que o homem. Gênesis 1:27 diz que somos a sua imagem: “E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Negar a Deus significa nos negarmos como seres dignos e capazes de cuidar do mundo que nos confiou. Se na fissura de um único átomo se libera tanta energia destrutiva, quanto de energia construtiva haverá dentro do número incalculável de células abrigadas em nosso corpo?
Creio absolutamente em Deus porque creio absolutamente na viabilidade do homem como manifestação tangível do criador. Se o mal existe, existe como manifestação distorcida de nosso ser original. Podemos ser deuses ou demônios, a escolha é sempre nossa. O inferno em que vivemos decorre de nossa recusa em ser a tangibilidade de Deus. De nossa recusa em aceitar que o céu é possível, mas é dependente da nossa capacidade de refletir, enquanto existência, a essência da qual viemos. Vem desse fato a enorme sensação de ausência de Deus em nosso mundo. De fato, divinizamos o egoísmo que nos sufoca porque sufoca o que temos de melhor: o amor e a sabedoria de Deus dentro de nós.
Deus e o diabo são seres absolutamente tangíveis porque se manifestam, a todo momento, nas ações humanas. Quando alguém usa de esperteza para se dar bem em cima da desgraça do próximo, aí está o demo. Mas, quando alguém se doa em favor do bem de outro, aí está Deus na sua forma tangível. Quando agimos como pobres diabos, agimos com egoísmo e desamor. Nessa condição, nos tornamos autodestrutíveis porque nos apartamos de uma relação saudável com o mundo. Sair do atoleiro significa sair da lama. Construir uma sociedade feliz e fraterna traz consigo a necessidade de ruptura com o mal, ou seja, com todas as formas de injustiça e opressão. Somente manifestando o deus tangível que existe dentro de cada um poderemos tornar real a utopia de um mundo de plena paz.

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