quarta-feira, 15 de maio de 2013

Necessário vos é nascer de novo ou vinho novo em odres novos (João 3:7 e Lucas 5:38)



Por Fernando Lobato_Historiador

As religiões surgem quase sempre com um propósito: fazer renascer aqueles que vivenciam os ensinamentos  que oferece aos que lhe dão ouvido e valor, ou seja, dar um sentido mais nobre à vida humana em sociedade. É fato também que normalmente surgem questionando e negando o status quo dominante, mas, na medida em que se tornam mais aceitas e assimiladas, vão também se distanciando das ideias, princípios e valores que as orientaram inicialmente. Eis porque não devemos vincular ou confundir Deus com essa ou aquela religião, pois estas existem como instituições ou organizações humanas passíveis de adaptação ou domesticação muitas vezes nocivas. Deus é o alfa e o ômega ou a verdade essencial da qual tudo se deriva e ganha sentido enquanto religião é tão somente a tentativa, bem ou mal intencionada, de se estabelecer uma conexão com nossa existência primordial.  Nem sempre essa tentativa é bem sucedida, mas, ainda assim, continuam afirmando o cumprimento do sentido da palavra religião, ou seja, que estariam unindo aquilo que um dia foi desconectado.
 Nicodemos era mestre entre os fariseus do tempo de Jesus, mas, embora se sentisse profundamente inspirado e tocado pelas palavras daquele que sua classe considerava subversivo e obsceno, a ponto de chamá-lo de príncipe dos demônios (Mateus 12:24),  mantinha-se fiel à fé e valores que julgava ter a missão de defender, junto com as honrarias, privilégios e a boa vida que usufruía como membro da elite sacerdotal corrupta de sua época. Nicodemos era tão ou mais prisioneiro do establishment quanto o rico que virou as costas quando Jesus lhe mandou vender todos os bens e distribuir entre os pobres (Mateus 19:21). Naquela ocasião, disse com lamento: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus” (Mateus 19:24). O Reino dos Céus é tão somente a dimensão onde homens e mulheres são verdadeiramente livres, ou seja, não estão submetidos a nenhum tipo de opressão interna (vícios e obsessões) ou externa (a realidade social).

    Nascer de novo significa ser capaz de se renovar continuamente sem perder sua essência original. Significa ter a capacidade de enxergar valor naquilo que tem valor e não ficar preso ou imobilizado, por comodismo ou covardia, ao que é externo e superficial. Esse não era o caso de Nicodemos, como não é o caso de muitos dos que se dizem religiosos na atualidade. Estão presos demais a ideias e valores distorcidos e adaptados ao longo do tempo que, no fim das contas, não promovem a elevação espiritual e social que deveriam.  Tal como Saul, relutando em passar o cetro para Davi, ou os fariseus, negando Jesus para não por em que cheque sua fé, valores e interesses, vemos religiosos pregando coisas celestiais mantendo-se firmemente apegados a valores e interesses terrenos e mundanos. Renascimento é ganhar nova vida, é deixar de ter apego por aquilo que se percebe não ter muito valor. É descobrir a beleza e a grandeza de nossa realidade interior. É crer que um mundo melhor e mais elevado está plenamente ao nosso alcance. Quando essa vontade morre dentro de nós é como se Deus também morresse junto. Nessa situação, ele renasce não em nós, mas num novo ser. Eis porque Jesus dizia que as crianças são a base do Reino dos Céus (Mateus 19:14), pois estas sonham e acreditam que tudo é possível. Quando isso morre dentro de nós, Deus se faz vinho novo em busca de odres novos (Lucas 5:38).

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Conhecereis a verdade e ela vos libertará (João 8:32)



Por Fernando Lobato_Historiador

Não existe verdade absoluta sem os atributos do inegável, do inquestionável e do imutável. A verdade absoluta é inegável porque não pode ser contradita ou negada. É inquestionável porque é clara e perfeitamente inteligível a ponto de não deixar dúvidas ou interrogações pertinentes e é imutável porque não envelhece ou se fragiliza com o passar do tempo.  A verdade absoluta é sempre passível de ser expressa em qualquer linguagem ou forma de conhecimento: religioso, filosófico ou científico. E a primeira grande verdade que conhecemos diz respeito ao fato de que todos, sem exceção, chegamos a este mundo como resultado da ação de outros que nos precederam. E ao pensarmos na realidade de nosso universo ficamos diante de outra verdade ligada à primeira: o nada não gera absolutamente nada e, sendo este universo real, somente pode ter sido fruto de algo que existe e existiu anteriormente ao mesmo, de modo que, seja no campo da Religião, da Filosofia ou da Ciência podemos definir essa existência com o nome de Deus ou com outro que nos proporcione maior proximidade e conforto diante dessa existência.
Não é por acaso que todos os povos primitivos produziram mitos narrativos procurando dar conta, dentro das limitações de seu saber e percepção, dos processos que fizeram a ordem universal surgir do caos que a antecedeu. Estas narrativas, também não por acaso, serviram como os “gênesis” de um sem número de religiões e crenças que nasceram com o fim de estabelecer uma lógica para as relações do natural ou humano com aquilo que entendiam como divino ou sobrenatural. Também não foi por acaso que a Filosofia nasceu do mesmo tipo de reflexão, ou seja, da divagação sobre como o complexo deriva do simples ou primitivo, ou seja, de como a substância primordial deu origem às substâncias derivadas que formaram o universo. Não é por acaso também que a Ciência, quando descobriu a realidade do mundo atômico, se deu conta de que há uma lógica que a sua lógica limitada, racional e quantitativa jamais compreenderá de forma plena e absoluta e que, cada vez mais, demonstra a existência de uma emoção, inteligência e vontade dirigindo tudo o que existe.
O homem é parte da criação e, portanto, não criou a si mesmo e, diferente do que afirmou o filósofo Ludwig Feurbarch[1], é diminuto demais para o imaginarmos como o criador do próprio Deus. Feurbach, todavia, estava correto quando visualizava um nexo antropológico[2] entre Deus e o homem ou entre o homem e a religião, fato que a própria Bíblia indica quando diz que o homem foi feito à imagem e semelhança do criador. Feurbach tem certa razão quando diz que as limitações e impotências humanas tem o poder de criar Deuses particulares ou pessoais de acordo com a conveniência e o interesse de cada um, fato muito comum nos dias atuais. Não devemos, todavia, apesar disso, negarmos a importância do conhecimento religioso, fato que o próprio Feurbach também destaca em seu texto[3]. É certo que grande parte do mundo religioso transformou Deus num ser que existe meramente para se cultuar e pedir socorro, mas isso não significa que, ontologicamente[4], seja ele exclusivamente isso.
É a pequenez ou falta de conhecimento do homem acerca da verdade absoluta e de tudo aquilo que a cerca e com ela mantém um relacionamento eterno que o faz um escravo ou servo da própria ignorância. Se conhecêssemos a verdade absoluta, conforme disse Jesus, seriamos não apenas livres, mas, sobretudo, poderíamos afirmar a nossa condição de filhos da verdade ou encarnações humanas da própria verdade. Eis porque, diante da iminência da cruz, Jesus disse que o templo seria destruído e erguido em apenas três dias. Falava do templo de seu corpo. O Templo que o apóstolo Paulo menciona como lugar reservado para a morada de Deus.  Eis o desafio posto a cada um de nós.




[1] Ludwig Feurbach – filósofo alemão autor, entre outros livros, de “A Essência do Cristianismo”.
[2] Antropologia – Ciência que tem como foco a natureza humana
[4] Ontologia – “é a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes” – Fonte Wikipédia.